SER BIÓGRAFO EM PORTUGAL.

SER BIÓGRAFO EM PORTUGAL.

Texto de Isabel Novo na sua página do Facebook. SER BIÓGRAFO EM PORTUGAL

Este episódio aconteceu hoje, mas perdi a conta aos outros semelhantes que se têm sucedido ao longo do último ano.
Recebo um email. A senhora, chamemos-lhe Maria Silva (não se chamava assim, mas tinha um nome igualmente comum e não me facultou nenhum elemento que me permitisse “situá-la”, pelo que depreendo que não nos conhecêssemos previamente), lança-me abruptamente: «Prezada Dra. Isabel Rio Novo, Porque não escreve a biografia de X?»
Agradecendo a MS, puxo da resposta a que recorro nestes casos e cujo breve guião consiste em explicar que o trabalho de biógrafo, em Portugal, é solitário, realizado no intervalo das atividades profissionais, a expensas do próprio biógrafo e com escassas, quando existentes, ajudas institucionais, sempre em prejuízo do tempo de descanso, da vida familiar, das finanças pessoais. Acrescento que X, sem dúvida, mereceria ser biografado, tal como dezenas de outras personalidades. Que eu, ou por loucura, ou porque o trabalho de biografar é apesar de tudo apaixonante, talvez ainda consiga ter a veleidade de voltar a escrever uma biografia, ou até duas, mas nenhuma será de X.
Se for como a maioria das pessoas que me têm contactado, MS responderá à minha resposta dizendo que me compreende muito bem, mas insistindo no seu pedido. É que, no íntimo de MS, como no de muita gente, aliás, vive a ideia de que escrever uma biografia é como escrever mais um romance ou um diário ou um livro de memórias. Com boa vontade, um tempinho roubado aqui, um esforço surripiado acolá, eu haveria de lá chegar se quisesse.
MS não tem culpa. Vivêssemos todos, ela, eu e X noutro país, e X teria já duas ou três biografias, tal como Y e W e Z… Não vivemos.
Na secretária atrás desta, onde alinhavo este desabafo, outro biógrafo, ao cabo de seis anos de trabalho, luta com a versão final do manuscrito, à qual, por razões editoriais, tem de extirpar segmentos do texto que produziu com pesquisa árdua, esforço intelectual, escritas e reescritas sucessivas.
Coisas como estas, caros leitores, fazem parte do ser biógrafo em Portugal.

(Na foto, o Paulo na Casa Museu de Egas Moniz, em Avanca, nos idos de 2022.)

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